A harmonização de vinhos com mocotó sempre foi complicada, e a SBAV/RS não foge desta dificuldade. Em 2 de agosto de 2024 enfrentamos o problema, com a escolha de vinhos pelo confrade Leandro Rovani, que também escreveu este texto.
A SBAV-RS é uma instituição quase cinquentenária de apaixonados por vinhos, pessoas com formação e conhecimentos de níveis diferentes, unidos pela paixão e pela curiosidade acerca do objeto milenar da vitivinicultura.
Há degustações que são movidas predominantemente pela paixão, algumas pelo conhecimento, outras pela curiosidade. A harmonização com mocotó é uma daquelas ideias movidas quase que totalmente pela intrigante experiência que ela significa, uma vez que, muito distante das certezas, ela gera muitos questionamentos: Vinho harmoniza com mocotó? Que tipo de vinho? Mocotó é um prato gorduroso ou aquele volume todo é colágeno, não é gordura?
A sugestão da harmonização com mocotó surgiu da mente criativa da Jandyra e foi imediatamente apoiada pela empolgação do Leandro (este interlocutor), com alguns acenos positivos tímidos de outros confrades e, é claro, alguns recuos, uma vez que o mocotó é um daqueles pratos que não é, jamais será, unanimidade culinária.
Vale ressaltar que não foi a primeira vez que a SBAV-RS promoveu a harmonização com mocotó, pois há 12 anos, em 30 de agosto de 2012, a experiência foi efetuada com êxito, estando reportada na página Web da SBAV-RS, sendo uma das primeiras referências quando se procura por tal harmonização no Google.
Desta vez, a degustação foi conduzida pelo confrade Leandro Rovani, que optou por uma degustação às cegas (exceto quanto ao espumante de entrada). A busca foi por vinhos que tivessem acidez suficiente para lidar com a opulência do prato, tendo os tintos diferentes intensidades tânicas e diferenças de exposição à madeira. Os vinhos servidos foram:
– Espumante Gran Legado “Champenoise” Brut – Forestier – Serra Gaúcha (24 meses de maturação sur lie, Chardonnay/Pinot Noir, ABV 12%): ótimo espumante, muito apreciado pelos confrades;
– Quinta de Cidrô Alvarinho – Real Cia Velha – Douro (Sem barrica, ABV 13,5%): ótima qualidade, confundido com outras castas;
– Rosé de La Solitude Cabernet Sauvignon/Merlot 2020 – Domaine De La Solitude – Bordeaux (Sem barrica, ABV 12,5%): surpresa positiva, agradável frescor e equilíbrio, um voto como melhor vinho;
– JotaPê Patrimônio “Bordô” Seco – Vale Trentino/Farroupilha – não safrado – Casa Perini (sem barrica, ABV 11%): o engodo da noite não agradou e foi rapidamente descoberto;
– Belleruche Côtes-Du-Rhône A.O.P. 2022 – M. Chapoutier (65% Grenache e 35% Syrah, 6 meses em concreto e aço, ABV 14,5%): uma das preferências da noite, escolhido como melhor vinho por apertada maioria, apresentou tipicidade e evoluiu em taça;
– Monsaraz Alicante Bouschet 2020 – Carmim Reguengos – DOC Alentejo (12 meses em barricas de carvalho de 2º uso e 3 meses em garrafa, ABV 15,5%): recebeu votos como melhor vinho e um como melhor harmonização, vinho razoavelmente potente, teve sua qualidade reconhecida.
O ardil da vitis Labrusca foi logo desmascarado (inclusive em casta), não tendo sido capaz de ludibriar ninguém na mesa. Vinho muito simples, não cumpriu com o objetivo, sobrou quase inteiro.
Talvez a grande surpresa da noite tenha sido o Rosé de Bordeaux, por sua qualidade (até por quem não aprecia, via de regra, os rosés) e boa harmonização com o prato, confirmando a fama de “coringa” do vinho rosé.
O melhor vinho da noite foi o Belleruche Côtes-Du-Rhône, que recebeu metade dos votos da mesa, seguido do Monsaraz Alicante Bouschet.
A melhor harmonização dividiu opiniões, tendo havido um empate técnico entre o Alvarinho, o Rhône e o Rosé, o que nos leva à conclusão de que o mocotó, embora seja uma harmonização difícil, aceita bem vinhos de boa acidez, mas não necessita de poder tânico para sua melhor apreciação. Na degustação de 2012, por sinal, o vencedor foi um vinho “94% branco” (Luis Pato – Fernão Pires 94%, Baga 6% – 2011, Reg. Beira Atlântico, 12º, considerado um vinho leve).
Ficou para todos a riqueza da experiência e a alegria da convivência, que é característica das Quintas da SBAV-RS. Ficou marcada uma nova harmonização com mocotó para 2036…